Em documento enviado aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) dois dias antes da retomada do julgamento sobre a reserva Raposa/Serra do Sol, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, contestou a atuação do tribunal no caso ao afirmar que o STF não ouviu a sociedade e extrapolou suas funções ao criar 19 condições para manter a área de forma contínua.
Para o procurador-geral, o Supremo não respeitou a separação entre os Poderes e tratou o direito dos índios de forma "amesquinhada". Suas observações acabaram sendo ignoradas no julgamento.
"Os princípios do Estado democrático de Direito e da separação de Poder impõem limites para esta atividade normativa do STF que, ao ver do Ministério Público, foram ultrapassados no caso", afirma o memorial obtido pela Folha.
"Sem nenhuma discussão prévia na sociedade, simplesmente foi proposta a edição de comandos gerais e abstratos, em tema extremamente complexo e de enorme relevância social e jurídica", completa.
Segundo ele, caberia ao Congresso definir condições impostas pelo STF. "Cabe ao legislador, devidamente legitimado pelo voto popular, a prerrogativa constitucional de expedir normas gerais e abstratas de conduta."
O procurador pediu, no documento, que todas as condições fossem rejeitadas, criticando nove delas. Como o seu pedido não foi acatado, fica praticamente inviável para Antonio Fernando recorrer da decisão. A única possibilidade seria entrar com o chamado "embargo de declaração" e alegar que existe algum tipo de omissão, contradição ou obscuridade no que foi decidido.
Na decisão da quinta, o Supremo confirmou que a demarcação da Raposa deve ser contínua, com a retirada dos não índios presentes na reserva. Nisso, Antonio Fernando está de acordo. O problema para ele são as condições sistematizadas por Carlos Alberto Direito.
Anteontem, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que as ressalvas deverão servir como "estatuto da demarcação de terras indígenas".
Entre elas está, por exemplo, a limitação da entrada de índios na terra indígena, que deverão seguir regras estabelecidas pelo Instituto Chico Mendes, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.
Também ficou definido que o usufruto da terra pelos índios não abrange os seguintes pontos: a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos --que dependerá sempre da autorização do Congresso-- e a garimpagem. E que o uso fica condicionado ao "interesse da política de defesa nacional".
Quase todas as ressalvas já estavam presentes no voto do relator, Carlos Ayres Britto.
Para Antonio Fernando, a forma como as condições foram colocadas atribuiu ao direito dos índios "manifesta posição de inferioridade".
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